18 Maio 2021 - Dia Internacional dos Museus

Luciana Pasqualucci [1] 

O livro “Pistas falsas: uma ficção antropológica”, escrito pelo antropólogo argentino Néstor Garcia Canclini (2020), propõe um exercício imaginário do futuro. O livro nos dá algumas pistas, talvez falsas, sobre o futuro das instituições. A desinstitucionalização da cultura é uma delas. Essa desinstitucionalização representa um processo de enfraquecimento de instituições tradicionais como museus, centros culturais, teatros, cinemas e decorre, principalmente, da ausência de políticas que valorizem a cultura e cumpram o orçamento no repasse de seus recursos. Atualmente, no caso do Brasil, seus efeitos são visíveis. Há cada vez menos apoio e financiamento público para a cultura e para a educação. Há mais concorrência e menos articulação, mais discursos e menos garantias, mais polarização e menos coletividade.

Nessa perspectiva, a reflexão partilhada neste texto propõe pensar os museus como instituições de memória e espaços sociais e de diálogo que preservam, partilham e institucionalizam a cultura por meio de diálogos estabelecidos com a universidade. Considerando a função do museu de compreender imaginários e promover debates instaurados por meio de indagações, intencionamos compreender como se processa o discurso da instituição museológica sobre a cultura e sobre a educação no sentido de despertar possibilidades cocriativas entre museu e universidade.

Atenta-se, neste texto, a uma das possíveis chaves da leitura da realidade que o museu e a universidade podem, juntos, abrir à sociedade: promover debates interculturais. Uma das formas de incentivar discussões sobre o intercultural, o que, de acordo com Canclini (2005), é a aglutinação e o diálogo existente entre os diferentes, seja, talvez, a desterritorialização da sala de aula. Importa assinalar que esse alargamento da extensão física e conceitual da universidade para o museu depende mais do interesse e da disponibilidade das pessoas que protagonizam o processo (professores, alunos, educadores e gestores museais) do que propriamente das instituições. Constatação óbvia, já que as instituições são feitas por pessoas. Entretanto, um paradoxo instala-se quando os sujeitos envolvidos nesse processo relatam que a ausência de políticas culturais e educacionais que promovem a articulação entre o museu e a universidade (compreende-se aqui o currículo dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação) é a responsável pela distância entre cultura e educação e, consequentemente, pela não apropriação dos espaços do museu pelos alunos e pelos professores como território de produção de conhecimentos, reflexões e debates (PASQUALUCCI, 2020). Assim sendo, tende-se a pensar, então, que iniciativas pessoais são incentivadas pela sobreleva da política institucional da universidade aos interesses de pesquisa.

Se a criação de políticas públicas parte (ou ao menos deveria) de necessidades locais e sociais, reconhecer a necessidade de políticas de acoplamento entre cultura e educação, que, por sua vez, pode reverberar a articulação entre museu e universidade, é, de certa forma, anunciar um território possível para a institucionalização da cultura: a universidade. A ambivalência desse território, como espaço dialógico que perpetua e quebra paradigmas, revela grande parte da sua potencialidade ao construir novas narrativas e agregar a elas manifestações interculturais que contribuam para a tolerância e para o respeito à diversidade. O museu, na qualidade de espaço de interseção de grupos culturais e étnicos, permite, simultaneamente, o reconhecimento das semelhanças e das diferenças individuais e coletivas, o que colabora para a configuração de uma sociedade democrática.

As incertezas construídas dentro de um espaço que acolhe as diferenças entrelaçam-se por meio de trocas de sentidos recíprocas, tornando as desigualdades em experiências agregadoras e potencialmente criativas. Essa coexistência de controvérsias existente no museu, colocadas em diálogo na universidade, promove certo alargamento epistemológico dos repertórios culturais. Se, de acordo com Canclini (2020), a desinstitucionalização da cultura assombra o futuro imaginário dos museus, dedica-se, aqui, a reivindicar a permanência da sua institucionalização incorporando às suas possibilidades a universidade. Nesse caminho, percebe-se que o exercício de deslocamento do presente para o futuro diz muito mais sobre o presente do que sobre o futuro. Afinal, suposições e construções imaginárias não deixam de ser problematizações sobre o contemporâneo. O que tais recriações futurísticas dizem é que haverá potência na cultura quanto mais próxima ela estiver da educação, e vice-versa.

Nesse futuro imaginário, museu e universidade possuem autonomia e narrativas próprias e uma esfera aglutinadora responsável por estabelecer diálogos e encontros presenciais e remotos, ações conceituais e físicas que promovam a desterritorialização dos espaços, debates interculturais que clamem pela intersecção. Além disso, o bem-estar mental e físico das pessoas, o encontro entre culturas emanam alegrias e trocas de ideias e expectativas em relação ao futuro que, apesar de incerto, torna o imaginário tão próximo e viável que praticamente se revela como uma possível recuperação do real.


[1] Pós-doutoranda em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia – ULHT / Lisboa. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP – Brasil. Coordenadora e professora do curso de Especialização em Museologia, Cultura e Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP – Brasil. Cofundadora do projeto PUC Museus: universidade e cultura contemporânea, na mesma instituição. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. 


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